Plataforma 128 : agendas obscuras - o desaparecimento das abelhas

Este é o disco " o desaparecimento das abelhas" do projeto português agendas obscuras, que consiste na simbiose do artista Bruno Gonçalves e sua guitarra. Música de improviso, gerando paisagens sonoras cinzentas e profundas. Não escreverei muito, pois Bruno anexou dos textos de artistas PODEROSOS ao disco. Imersão!
"Acho bastante difícil entender quando os artistas falam de liberdade absoluta de criação. Não entendo o que querem dizer com tal espécie de liberdade, pois parece-me que, se optamos pelo trabalho artístico, encontramo-nos acorrentados pela necessidade, presos às tarefas que nós mesmos nos impomos e à nossa vocação artística. Tudo está condicionado por qualquer tipo de necessidade; e se realmente pudéssemos encontrar alguém em condição de total liberdade, esse alguém seria como um peixe de águas profundas arrastado para a superfície. É curioso pensar que o inspirado Rubliev trabalhou dentro dos cânones estabelecidos. E, há quanto mais tempo vivo no Ocidente, mais a liberdade me parece curiosa e equívoca. Liberdade para tomar drogas? Para assassinar? Para cometer suicídio? Para se ser livre, é preciso apenas sê-lo, sem pedir a permissão a ninguém. É preciso que se tenha os próprios postulados sobre aquilo que se é chamado a fazer e guiar-se por eles, sem dobrar-se às circunstâncias ou ser cúmplice delas. Porém, essa espécie de liberdade requer um elevado grau de autoconsciência, consciência da responsabilidade para consigo próprio e, portanto, para com os outros. Mas, coitados de nós, a tragédia é que não sabemos ser livres — pedimos liberdade para nós mesmos em detrimento dos outros e não queremos renunciar a nada de nós mesmos em prol do outro: isso seria usurpar nossos direitos e liberdades pessoais. Hoje, todos nós estamos contaminados por um egoísmo extraordinário, e isso não é liberdade: liberdade significa aprender a exigir apenas de si mesmo, não da vida ou dos outros, e saber como doar: significa sacrifício em nome do amor. (...) estou falando de liberdade em seu mais alto sentido moral. Não quero polemizar, ou lançar dúvidas sobre os valores e conquistas inquestionáveis que caracterizam as democracias europeias. Contudo, as condições dessas democracias colocam em relevo o problema do vazio espiritual e da solidão do homem. Parece-me que na luta por liberdades políticas (...) o homem moderno perdeu de vista aquela liberdade que desfrutou em todas as épocas anteriores: a de ser capaz de se sacrificar ao tempo e à sociedade em que vive."
- Andrei Tarkovski, Esculpir o tempo (1986)
"No início dos anos sessenta, por causa da poluição do ar e sobretudo no campo, por causa da poluição da água (os rios azuis e os canais transparentes), começaram a desaparecer os vaga-lumes. O fenómeno foi fulminante e fulgurante. Poucos anos depois os vaga-lumes desapareceram. (São agora uma recordação, bastante aflitiva, do passado: e um homem velho que tenha uma tal recordação não pode reconhecer nos novos jovens a sua própria juventude e, portanto, não pode mais ter os belos arrependimentos de antigamente.)
- Pier Paolo Pasolini, O vazio do poder em Itália (1975)
Foto da capa: detalhe de 'shot communards' © Eugène Disdéri (1871)
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